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O café está mais caro. De quem é a culpa? - Claudia Marchetti da Silva*

Os preços dos produtos alimentícios são afetados por um conjunto muito amplo de fatores, entre os quais, o clima. No entanto, parece existir, no senso comum, a crença de que o primeiro culpado é o repasse da tributação aos preços. Em outras palavras: se sobe o preço da carne ou do café, a responsabilidade é da carga tributária, que logo assume o papel de protagonista vilã da história. Se é assim - nessa lógica simplista -, bastaria reduzir os "impostos" (como popularmente são chamados todos os tributos) para que tudo, ou quase tudo, fosse resolvido.

De acordo com um estudo realizado em 2024¹, o impacto de mudanças tributárias nos preços ao consumidor não ocorre de forma automática ou integral.

A literatura econômica estabelece que, em mercados de concorrência perfeita, o repasse depende diretamente das elasticidades de oferta e demanda. Análises teóricas indicam que o grau de repasse fiscal varia conforme as condições competitivas e as particularidades de cada mercado, podendo resultar em transferências tanto inferiores quanto superiores à alteração inicial dos tributos. Portanto, a relação entre tributos e preços é complexa, demonstrando que nem sempre a solução mais óbvia - como a simples redução de impostos - é necessariamente a mais eficaz ou correta.

Pode até parecer contraditório, mas algumas vezes aumentar um determinado imposto ajuda a resolver a questão.

A forte vinculação da produção agrícola brasileira ao mercado internacional - aspecto positivo pelo nosso papel de grande exportador - apresenta também um efeito colateral relevante: em períodos de dólar valorizado, os preços domésticos tendem a subir, pois a exportação se torna mais atrativa que o abastecimento do mercado interno.  Para os produtos essenciais diretamente impactados pela volatilidade de preços, justifica-se uma intervenção estatal via aumento das alíquotas do imposto de exportação durante períodos de disparada de valores. Esse uso extrafiscal do imposto, quando criteriosamente aplicado, pode estabilizar os preços no mercado interno de alimentos estratégicos e proteger o poder de compra da população sem comprometer a balança comercial.

Na legislação tributária, compreende-se o Imposto de Exportação como instrumento de política econômica federal, cuja competência está prevista no artigo 153, II, da Constituição Federal. Sua incidência ocorre exclusivamente nas operações de saída de mercadorias do território nacional, configurando-se como mecanismo de regulação comercial ao invés de fonte de receita, dada sua natureza extrafiscal por excelência.

Nas palavras de Hugo de Brito Machado²:

Presta-se mais como instrumento de política econômica do que como fonte de recursos financeiros para o Estado. Por isto é que a ele não se aplica o princípio da anterioridade da lei em relação ao exercício financeiro de cobrança (art. 150, § 1º), e o princípio da legalidade se mostra atingido pela possibilidade de alterações de alíquotas, dentro dos limites legais, pelo Poder Executivo (art. 153, § 1º).

Possivelmente pela impopularidade que aumentos de impostos geram, a estratégia adotada pelo governo foi a de estimular o aumento da oferta de alimentos, com a consequente redução dos preços praticados no mercado, por meio da redução a zero do imposto de importação de alimentos, incluindo carnes e o café em grão mencionados lá no início do texto.

O debate sobre preços de alimentos e tributação no Brasil deve ser conduzido da forma mais democrática possível, sem, contudo, afastar-se de uma verdade incontornável: problemas complexos raramente admitem soluções simplistas. Não existe 'bala de prata' capaz de resolver questões que abrangem desde variáveis geopolíticas e macroeconômicas até oferta, demanda, logística e mudanças climáticas. Embora a redução de impostos possa aliviar pressões pontuais, seu efeito concreto depende de uma complexa rede de fatores. No final, a decisão verdadeiramente relevante será aquela que, em maior medida, proteja as famílias de baixa renda - que chegam a destinar até 40% de seus rendimentos à alimentação básica.

________________________________________
¹CANÊDO-PINHEIRO, M.; PESSÔA, L. C.; JABOUR,K. S.; DOMINGUES JR, W. V. Repasses de impostos aos preços dos alimentos: evidências com dados brasileiros. Anais do 52. Encontro Nacional de Economia, 2024.
²MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 34a edição. São Paulo: Editora Malheiros, 2013, p. 314

 
*Claudia Marchetti da Silva advogada, consultora tributária e pesquisadora. Doutoranda em Direito Fiscal pela Universidade de Lisboa, mestre em Direito Constitucional e especialista em Direito Tributário. Autora de livros e artigos de Direito Tributário e coordenadora da obra "Mulheres quais são seus direitos" publicado pela editora Revista dos Tribunais