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Luz, câmera e tributação - Claudia Marchetti da Silva*

Iniciamos o ano de forma festiva com a premiação de uma grande atriz do cinema brasileiro no Globo de Ouro . Uma premiação que fortalece o interesse por coproduções internacionais e pela distribuição de filmes brasileiros em outros mercados e pode significar mais oportunidades de financiamento para projetos futuros e maior atenção das distribuidores globais para conteúdos brasileiros e plataformas de streaming.

Diversos estudos indicam que o Brasil se destaca como um dos países líderes no consumo de conteúdo por streaming. Segundo um levantamento realizado em 2022 pela Ancine (Agência Nacional do Cinema), os consumidores brasileiros têm acesso a aproximadamente 60 plataformas diferentes de streaming , um contexto que tem intensificado os debates sobre as propostas de regulação dessas plataformas, incluindo a cobrança de uma contribuição de intervenção de domínio econômico (CIDE).

As CIDEs, de acordo com a sua base constitucional, são de competência exclusiva da União, instituídas como instrumento de intervenção estatal em setor econômico específico e cujo produto da arrecadação tem destinação determinada. Em razão de seu caráter excepcional, a contribuição de intervenção no domínio econômico deve ser cobrada de forma temporária enquanto durar a necessidade de intromissão do Estado no setor da economia.

A Constituição Federal disciplina a intervenção direta na ordem econômica em seu artigo 173. O Estado poderá intervir na atividade econômica diretamente, de forma a preservar os princípios constitucionais do artigo 170, desde que cumpridos dois requisitos, de forma alternativa, em conjunto com os princípios da ordem econômica, quais sejam, a necessidade em relação aos imperativos de segurança nacional ou relevante interesse coletivo, conforme definido na norma.

Tem-se portanto que a instituição de uma CIDE pressupõe também dois elementos fundamentais: a intervenção positiva do Estado e a destinação específica do produto da arrecadação. Em outras palavras, sua criação está condicionada à atuação estatal em um setor específico da economia, gerando despesas que justifiquem a arrecadação destinada a financiá-las.

Uma forma de intervenção indireta do Estado, aliada ao Direito Tributário é, por exemplo, a concessão de incentivos fiscais, a diminuição da carga tributária ou a instituição de um tributo extrafiscal.

De maneira geral, a doutrina entende a CIDE como um instrumento de intervenção positiva do Estado, desde que utilizada para promover o desenvolvimento econômico, incentivar atividades estratégicas e atender aos objetivos previstos na Constituição.

Nesse contexto, eis que surge a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (CONDECINE), um tributo instituído pela Medida Provisória 2.228-1/2001, com o objetivo de fomentar e financiar o setor audiovisual no Brasil . A contribuição incide sobre a veiculação, produção, licenciamento e distribuição de obras cinematográficas e videofonográficas com fins comerciais, bem como sobre o pagamento, crédito, emprego, remessa ou entrega de valores a produtores, distribuidores ou intermediários no exterior, referentes a rendimentos decorrentes da exploração de obras cinematográficas e videofonográficas, ou por sua aquisição ou importação a preço fixo. Com a publicação da Lei 12.485/2011, que estabeleceu o marco regulatório dos serviços de TV por assinatura, a CONDECINE passou a ter como fato gerador também a prestação de serviços que utilizem meios capazes de distribuir conteúdos audiovisuais, de forma efetiva ou potencial.

Recentemente, uma nova hipótese de incidência da CONDECINE passou a ser amplamente debatida: a cobrança da contribuição sobre plataformas de VoD (vídeo sob demanda/streaming). Esse tema está formalizado em três projetos de lei em tramitação - o PL 8889/17, o PL 2331/22 e o PL 3510/24 - cada um com suas especificidades e também sujeito a críticas. Contudo, é inegável que o Brasil é um dos maiores consumidores de conteúdo audiovisual do mundo, o que reforça a importância de assegurar estímulos para a produção audiovisual nacional. A regulamentação da CONDECINE trouxe resultados significativos: enquanto antes da lei a participação de produções brasileiras na TV paga era de apenas 1%, após cinco anos de sua implementação esse índice já superava 17%.

Os canais que mais exibiram conteúdo nacional registraram crescimento expressivo e passaram a figurar entre os cinco mais assistidos, demonstrando o impacto positivo de políticas que fortalecem o setor audiovisual brasileiro.

Uma intervenção positiva do Estado, em todos os sentidos, que visa ampliar o acesso à cultura como um bem público essencial, ao mesmo tempo em que cria um ambiente favorável ao crescimento de uma indústria que, além de ser um patrimônio imaterial, desempenha um papel econômico significativo. Esse setor contribui diretamente para o Produto Interno Bruto (PIB) e gera empregos, tanto de forma direta quanto indireta, promovendo o desenvolvimento econômico e social de forma abrangente.

 
*Claudia Marchetti da Silva advogada, consultora tributária e pesquisadora. Doutoranda em Direito Fiscal pela Universidade de Lisboa, mestre em Direito Constitucional e especialista em Direito Tributário. Autora de livros e artigos de Direito Tributário e coordenadora da obra "Mulheres quais são seus direitos" publicado pela editora Revista dos Tribunais