Avanço da Reforma Tributária e as Contradições sobre o Imposto de Grandes Fortunas - Claudia Marchetti da Silva*
O segundo Projeto de Lei Complementar (PLP 108/2024), que faz parte do pacote de normas para regulamentar a Reforma Tributária trazida pela Emenda Constitucional nº 132, foi aprovado por unanimidade pela Câmara dos Deputados.
Esse projeto aborda temas importantes como: a criação e organização do Comitê Gestor do IBS, as regras para o contencioso administrativo do IBS, a distribuição do dinheiro arrecadado pelo IBS e como será a transição do ICMS para o IBS.
Entre os pontos da transição, estão o tratamento dos créditos acumulados de ICMS em 31 de dezembro de 2032 e o ressarcimento do ICMS/Substituição Tributária sobre os estoques de mercadorias nessa mesma data. A legislação complementar ficou encarregada de detalhar esses assuntos.
O projeto, a partir do artigo 159 no Livro II, estabelece uma regulamentação nacional para o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Bens ou Direitos (ITCMD). Esse imposto, que é de responsabilidade dos Estados e do Distrito Federal conforme o artigo 155, inciso I, da Constituição Federal, finalmente ganha diretrizes mais claras e padronizadas para sua aplicação em todo o Brasil. Embora previsto na Constituição, o ITCMD não tinha uma regulamentação consistente. Agora, o objetivo é garantir maior clareza na aplicação das normas constitucionais relacionadas ao imposto, levando em conta também as mudanças introduzidas pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023.
Os parlamentares, no entanto, rejeitaram um destaque apresentado por dois deputados do PSOL-SP que propunham a criação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF). Apesar de estar previsto na Constituição, esse imposto nunca foi regulamentado. A proposta previa que o tributo seria aplicado a patrimônios, no Brasil e no exterior, que ultrapassassem R$ 10 milhões, com a avaliação do patrimônio acontecendo todo mês de janeiro. Tanto pessoas físicas quanto jurídicas seriam contribuintes do imposto, seguindo as seguintes faixas de alíquotas: 0,5% para fortunas entre R$ 10 milhões e R$ 40 milhões; 1% para patrimônios entre R$ 40 milhões e R$ 80 milhões; 1,5% para valores acima de R$ 80 milhões.
Paradoxalmente, poucos dias após a votação do PLP e a rejeição da emenda que propunha a instituição do IGF - derrotada por 262 votos contra 236, sob o argumento de que o imposto poderia afastar investimentos -, um documento consensual assinado pelos líderes presentes à cúpula do G20 destacou a necessidade de tributar progressivamente os chamados "super-ricos" através de um imposto global sobre as grandes fortunas.
Essa medida foi apontada como uma forma de aumentar a disponibilidade financeira global e é uma das prioridades levantadas pelo Brasil na presidência do G20. Um dos trechos do documento reforça: "Com total respeito à soberania tributária, nós procuraremos nos envolver cooperativamente para garantir que indivíduos de patrimônio líquido ultra-alto sejam efetivamente tributados.¹"
Importante destacar o apoio do governo espanhol, que o fez por coerência e convicção, após adotar medidas semelhantes na Espanha. Em novembro de 2022, o país aprovou temporariamente um imposto solidário sobre grandes fortunas, e, no ano seguinte, decidiu prorrogá-lo por tempo indeterminado.
Um contraste entre a posição nacional e a pauta internacional que suscita questionamentos sobre o posicionamento do legislativo brasileiro em relação à tributação dos mais ricos, especialmente em um contexto em que a crescente desigualdade ocupa o centro das discussões globais sobre justiça fiscal e sustentabilidade financeira.
*Claudia Marchetti da Silva advogada, consultora tributária e pesquisadora. Doutoranda em Direito Fiscal pela Universidade de Lisboa, mestre em Direito Constitucional e especialista em Direito Tributário. Autora de livros e artigos de Direito Tributário e coordenadora da obra "Mulheres quais são seus direitos" publicado pela editora Revista dos Tribunais