Uma Nova Receita Tributária: Adaptações às Regras GloBE - Claudia Marchetti da Silva*
Em outubro de 2021, mais de 135 países, como parte da iniciativa da OCDE /G20 do BEPS (Base Erosion and Profit Shifting) , do qual o Brasil faz parte, chegaram a um acordo importante para enfrentar os desafios fiscais da economia digital. A iniciativa Pilar 2 estabelece regras globais que garantem que grandes empresas multinacionais paguem uma alíquota mínima de 15% sobre os lucros em todos os países onde operam. Em outras palavras, foi criado um sistema de tributação mínima para empresas com faturamento superior a 750 milhões de euros, excluídas as entidades governamentais, os organismos internacionais, as organizações sem fins lucrativos, os fundos de pensão e os fundos de investimento, com o objetivo de desencorajar planejamentos tributários abusivos e modernizar o sistema tributário internacional.
Essas novas regras, chamadas GloBE (Global anti-Base Erosion Rules), fornecem um sistema coordenado de tributação que impõe um imposto complementar sobre os lucros obtidos em uma jurisdição sempre que a alíquota de imposto efetiva nessa jurisdição estiver abaixo da alíquota mínima de 15%. A ideia é evitar que as empresas escapem da tributação movendo suas operações ou mantendo sua sede em países com baixa ou nenhuma tributação, garantindo que elas paguem um valor justo de impostos independentemente de onde estejam localizadas. Isso visa combater a chamada "erosão da base tributária" e a transferência de lucros para paraísos fiscais.
Claro, isso tudo é bastante complexo, e tanto as empresas quanto os governos terão que se adaptar. As empresas precisarão coletar informações de suas subsidiárias para comprovar que a tributação mínima exigida foi atingida, além de recolher imposto adicional se a alíquota efetiva mínima de 15% não for cumprida em alguma jurisdição. Também terão que ajustar suas estratégias fiscais para garantir o cumprimento dessas novas exigências. Já os governos enfrentarão o desafio de implementar e fiscalizar essas regras de forma eficaz.
As Regras GloBE, que devem ser introduzidas nas legislações domésticas de cada jurisdição de forma interligada, são: a Regra de Inclusão de Rendimentos (Income Inclusion Rule - IIR) e a Regra de Pagamentos Subtributados (Undertaxed Payment Rule - UTPR).
Nesse contexto, no Brasil foi editada a Medida Provisória nº 1.262/24, publicada em 3 de outubro, que institui uma tributação mínima efetiva de 15% sobre o lucro das multinacionais sediadas no país, por meio de um adicional da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). A medida especifica quais empresas estarão sujeitas a essa tributação, define o cálculo do lucro tributável e a metodologia para determinar a alíquota efetiva que garantirá a aplicação da alíquota mínima. Também estabelece que as empresas deverão fornecer as informações necessárias para a apuração do adicional, conforme regulamentação. A Receita Federal ficará responsável pela operacionalização da cobrança e demais medidas relacionadas.
"A relevância e a urgência da medida justificam-se pelas razões descritas a seguir: Em relação à tributação mínima: (i) as entidades constituintes de grupos multinacionais no escopo das regras GloBE estão localizadas no Brasil onde alguns deles estão sujeitos a alíquotas efetivas inferiores a 15% (quinze por cento); (ii) as jurisdições onde se localizam investidoras de entidades constituintes localizadas no Brasil iniciaram o processo de implementação das Regras GloBE, cuja vigência se dá já a partir de 2024; e (iii) a falta de adoção de medidas como a instituição do Adicional da CSLL pelo Brasil resultará no recolhimento, em outros países, do tributo que poderia ser aqui arrecadado ."
O Brasil é considerado uma jurisdição com regimes de baixa tributação. Por essa razão, se o país não adotar mecanismos para combater a subtributação, pode acabar permitindo que multinacionais paguem tributos complementares em outros países. Isso resultaria em uma "exportação" de receita tributária, já que o Brasil deixaria de exercer o direito de cobrar esses tributos.
É fundamental destacar que com a implementação das regras do GloBE em diferentes países, haverá revisões periódicas das regulamentações da OCDE. O estabelecimento dessa nova dinâmica vai exigir atualizações constantes na regulamentação infralegal brasileira, além de um monitoramento contínuo pelos profissionais que atuam na área tributária das multinacionais. Vale lembrar que, em respeito ao princípio da anterioridade nonagesimal, previsto no art. 150, inciso III, alínea "c", e no art. 195, § 6º, da Constituição Federal, qualquer mudança na regulamentação que resulte em aumento da CSLL deverá aguardar um prazo de 90 dias. Isso proporciona um certo alívio em termos de prazos para adaptação.
_________________________ ¹Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico ²Grupo dos Vinte - G20 ³O BEPS compromete a justiça e a integridade dos sistemas fiscais : "A erosão da base tributária doméstica e a transferência de lucros (BEPS) se relacionam com estratégias de planejamento tributário que empresas multinacionais usam para explorar brechas nas regras tributárias para transferir artificialmente lucros para locais com impostos baixos ou sem impostos como uma forma de evitar o pagamento de impostos. O Projeto BEPS da OCDE/G20 equipa os governos com regras e instrumentos para lidar com a evasão fiscal, garantindo que os lucros sejam tributados onde as atividades econômicas que os geram ocorrem e onde o valor é criado." (OCDE. Disponível em: https://www.oecd.org/en/topics/policy-issues/base-erosion-and-profit-shifting-beps.html) 4Razões que justificam a elaboração do Projeto de Medida Provisória. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9817696&ts=1728992428331&disposition=inline
*Claudia Marchetti da Silva advogada, consultora tributária e pesquisadora. Doutoranda em Direito Fiscal pela Universidade de Lisboa, mestre em Direito Constitucional e especialista em Direito Tributário. Autora de livros e artigos de Direito Tributário e coordenadora da obra "Mulheres quais são seus direitos" publicado pela editora Revista dos Tribunais