O fim do sigilo bancário? Um debate sobre privacidade e eficiência da fiscalização tributária - Claudia Marchetti da Silva*
Nos últimos dias, manchetes de diversos jornais destacaram com alarde o fim do sigilo bancário no Brasil. Embora a polêmica em torno deste tema seja recente, a discussão em si vem sendo debatida há alguns anos.
A questão centraliza-se no julgamento, encerrado em sessão virtual em 6/9, da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7276, ajuizada pelo Conselho Nacional do Sistema Financeiro (Consif). O Consif argumentou que dispositivos do Convênio Confaz-ICMS 134/16 violavam o sigilo bancário, tendo em vista o acesso a informações financeiras sem autorização judicial. O autor da ADI questionou a imposição de novas obrigações às instituições financeiras, temendo que isso pudesse abrir precedentes para que prefeituras requisitassem dados para a cobrança de tributos municipais.
Com redação atualizada pelo Convênio ICMS 71/20, o ponto de discórdia está no fornecimento de informações por instituições e intermediadores financeiros e de pagamento, sejam ou não integrantes do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB). Essas informações abrangem transações com cartões de débito, crédito, cartões de loja (private label), transferências de recursos, transações eletrônicas via Sistema de Pagamento Instantâneo e outros meios de pagamento eletrônicos. O convênio também trata do fornecimento de dados por intermediadores de serviços e negócios sobre transações comerciais ou de prestação de serviços, realizadas tanto por pessoas jurídicas inscritas no CNPJ quanto por pessoas físicas inscritas no CPF, mesmo que estas não estejam inscritas no cadastro de contribuintes do ICMS.
Prevaleceu, por 6 votos a 5, o voto da relatora, ministra Cármen Lúcia, que validou as cláusulas do Convênio e, consequentemente, o compartilhamento dos dados, com o principal argumento de que a garantia constitucional à privacidade não é absoluta e que essa flexibilização é necessária para a eficiência da fiscalização tributária.
Observa-se que a aplicação dessa garantia depende do sopesamento com outros princípios constitucionais. Para Robert Alexy , essa abordagem é admissível, uma vez que "princípios são mandamentos de otimização em face das possibilidades jurídicas e fáticas." Assim, um princípio terá precedência sobre outro no caso concreto, por meio da ponderação de interesses.
Os ministros Gilmar Mendes, Cristiano Zanin e Luís Roberto Barroso foram votos vencidos mas não discordaram propriamente do fornecimento de informações ao reconhecer a necessidade de aumentar a eficiência da fiscalização tributária. O argumento contra foi de que o convênio não estabelece regras claras para o uso das informações bancárias, tampouco critérios adequados para o acesso a esses dados. Eles consideraram que essa falta de clareza poderia resultar na violação de direitos fundamentais.
"No fim do dia", se por um lado é dever do contribuinte fornecer informações sobre si e sobre os negócios jurídicos que realiza, permitindo ao Fisco apurar e fiscalizar os tributos, por outro lado é igualmente fundamental que os estados divulguem de forma transparente os termos de uso dos serviços, a política de privacidade e o tratamento de dados pessoais, conforme estabelecido pela Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).
*Claudia Marchetti da Silva advogada, consultora tributária e pesquisadora. Doutoranda em Direito Fiscal pela Universidade de Lisboa, mestre em Direito Constitucional e especialista em Direito Tributário. Autora de livros e artigos de Direito Tributário e coordenadora da obra "Mulheres quais são seus direitos" publicado pela editora Revista dos Tribunais