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Exigência de Convênios como requisito de validade para benefícios fiscais de ICMS fora do espectro da guerra fiscal - Análise Crítica dos Acórdãos do STF nas ADIs 429/CE e 4276/MT - Luiz Carlos Junqueira Franco Filho - Pedro Dias Cavalcante Junior

O Supremo Tribunal Federal (STF) possui jurisprudência há muito sedimentada de que benefícios fiscais de ICMS concedidos unilateralmente pelos Estados, sem aprovação de seus pares por meio de Convênios celebrados no âmbito do Confaz, ferem a Constituição Federal, precisamente seu artigo 155, §2º, "g" (01).

A despeito desse posicionamento, os conflitos jurídicos com a chamada guerra fiscal estão longe de serem resolvidos, pois essa matéria possui inúmeros desdobramentos e ramificações que ainda aguardam um posicionamento de nossos tribunais ou uma solução política.

Uma das ramificações até certo ponto pouco explorada diz respeito ao alcance da exigência de convênios a benefícios fiscais que não se encontram no espectro da guerra fiscal, como é o caso de isenções de cunho notadamente social e de abrangência restrita.

Recentemente, contudo, essa questão foi enfrentada pelo STF nos julgamentos das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) 429/CE e 4276/MT, ambas relatadas pelo Ministro Luiz Fux e julgadas em 20.8.2014.

ADI 429/CE

A ADI 429/CE versa sobre diversos benefícios fiscais previstos na Constituição do Estado do Ceará, muitos dos quais já tiveram sua eficácia suspensa em razão de liminar deferida parcialmente em sede de julgamento de Medida Cautelar, ocorrido em 4.4.1991. Dentre esses benefícios, concentramos nossa análise na isenção de ICMS prevista do artigo 192, § 2º da Constituição Cearense, aplicável a "implementos e equipamentos destinados aos deficientes físicos, auditivos, visuais, mentais e múltiplos, bem como aos veículos automotores de fabricação nacional com até 90 HP de potência adaptados para o uso de pessoas portadoras de deficiência".

Essa isenção não havia sido liminarmente suspensa em 1991, com base nos seguintes fundamentos desenvolvidos pelo então Ministro Célio Borja, relator da Medida Cautelar:

1. Alcance restrito ao universo de portadores de deficiência, não acarretando prejuízo irreparável ao Estado;

2. Falta de Lei Complementar ou, na falta desta, de Convênio , editada sob a égide da Constituição Federal de 1988, desempenhando as funções atribuídas pelo seu artigo 155, §2º, XII "g", que dizem respeito a "regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados"

Ao ter seu mérito apreciado, o benefício em questão foi declarado inconstitucional por decisão unânime, de maneira que os dois argumentos acima não prevaleceram.

O fundamento "2" acima havia sido há muito superado. A posição consagrada pelo STF é de que a Lei Complementar 24/75 exerce a atribuição prevista pelo artigo 155, §2º, "g" da Constituição Federal e efetivamente regula a aprovação de Convênios necessários à validade de benefícios fiscais de ICMS. Com a ressalva da discussão envolvendo a exigência de unanimidade para aprovação de um Convênio de ICMS (03), não restam dúvidas de que a Lei Complementar 24/75 foi recepcionada pela atual ordem constitucional, não havendo que se falar em lacuna quanto a esse ponto.

Por outro lado, a rejeição ao fundamento 1 acima é mais polêmica, pois, mesmo reconhecendo que a isenção em tela está fora do espectro da guerra fiscal, o STF declarou sua inconstitucionalidade, por falta de previsão em Convênio. Confira-se, a esse respeito, o seguinte trecho extraído do voto c proferido pelo min. Luiz Fux, relator da ADI:

"Porquanto, in casu, não é sequer procedente o argumento, que poderia ser suscitado em defesa da lei impugnada, segundo o qual não havia a perspectiva de atração de investimentos através da isenção concedida, afastando, assim, o risco de guerra fiscal.
Em primeiro lugar, mostra-se simplesmente indiferente para a Constituição Federal o maior ou menor impacto que determinada desoneração tributária, relativa ao ICMS, pode causar no cenário de investimentos nos Estados-membros. O só fato de configurar-se, conceitualmente, a isenção, já é por si só suficiente para atrair a exigência formal do convênio interestadual, descumprida na presente hipótese."

Apesar de, na visão do STF, o eminente cunho social da isenção de ICMS em tela não justificar a dispensa de Convênio, essa característica motivou os ministros da corte, exceção feita ao Min. Marco Aurélio, a modular os efeitos da declaração de sua inconstitucionalidade, dando-lhe um prazo de sobrevida de 12 meses, dentro do qual a matéria pode ser submetida ao CONFAZ.

Embora esse seja o primeiro caso de modulação dos efeitos de declaração de inconstitucionalidade de benefício fiscal em razão de falta de previsão em Convênio, é evidente que essa decisão foi tomada em razão das peculiaridades do incentivo fiscal em questão e nada permite afirmar que o mesmo posicionamento será adotado para casos inseridos no contexto da guerra fiscal.

ADI 4276/MT

A ADI recai sobre Lei Complementar 358/09, do Estado do Mato Grosso, que concede isenção de ICMS para compra de automóveis por oficiais de justiça do Estado.

Referido benefício foi, por maioria dos votos, declarado inconstitucional por falta de previsão em Convênio e também por ofensa ao princípio da isonomia tributária, pois dispensaria um tratamento tributário favorecido em relação a uma determinada categoria profissional em detrimento de outras, sem qualquer justificativa plausível.

Diferentemente da ADI 429/CE, em que o STF reconhece que o incentivo fiscal cearense está fora do contexto da guerra fiscal, mas se manifesta no sentido de que essa característica não importa para afastar a exigência de Convénio, na ADI 4276/MT o STF entende que isenção concedida a uma determinada categoria profissional teria feições de guerra fiscal, pois, nas palavras do ministro Luiz Fux, "repercute sim, nos complexos cálculos de investimentos setoriais que guiam a atuação do empresariado".

Essa posição também está bastante clara no seguinte trecho da emenda da ADI:

(...)
"2. In casu, padece de inconstitucionalidade formal a Lei Complementar 358/09 do Estado do Mato Grosso, porquanto concessiva de isenção fiscal, no que concerne ao ICMS, para as operações de aquisição de automóveis por oficiais de justiça sem o necessário ampara em convênio interestaduais, caracterizando hipótese típica de guerra fiscal em desarmonia com a Constituição Federal de 1988." (grifamos)

O voto divergente Min. Marco Aurélio refuta justamente o enquadramento da isenção sub judice no contexto da guerra fiscal, sob o argumento de que ela afeta única e exclusivamente as Finanças do Estado que a concedeu. Descaracterizada a guerra fiscal, entende o ministro que não haveria porque exigir previsão do benefício em Convênio, como se depreende do voto a seguir transcrito:

"(...) encaro o que previsto quanto à necessidade de manifestação de todos os estados como visando a evitar a denominada guerra fiscal. No caso concreto, levando em conta o móvel e o objeto da isenção, que seria do Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços na compra, por oficiais de justiça, de automóveis nacionais, não se pode cogitar dessa guerra fiscal.
O tributo é da competência ativa do próprio estado; tem-se como único prejudicado o estado. Por isso, não consigo enquadrar, na previsão da alínea citado pelo relator, a situação concreta, e vejo que o Estado, observou a forma quanto à natureza da lei, que acabou por isentar os oficiais de justiça do ICMS, ou seja, a lei complementar.
Ante a esse contexto, julgo improcedente o pedido formulado nesta Ação Direta de Inconstitucionalidade"

Curioso notar que o Min. Marco Aurélio não manifestou a mesma divergência no julgamento da ADI 429/CE, que versava sobre uma isenção que mais claramente não se enquadrava do espectro da guerra fiscal, nem padecia do vício de inconstitucionalidade material declarado na ADI 4276/MT, de ofensa à isonomia.

Análise crítica das ADI 429/CE e 4276/MT - O conceito de "guerra fiscal" e sua relevância para se exigir previsão de um incentivo fiscal de ICMS em Convênio

No julgamento das duas ADIs, o STF conferiu uma interpretação bastante ampla e formalista ao dispositivo constitucional que exige a aprovação de Convênios para validação de incentivos fiscais de ICMS.

Segundo essa ótica, prevalece a letra fria do artigo 155, §2º, inc. XII "g" da Constituição Federal e do Artigo 1º da Lei Complementar 24/75, que submetem ao crivo do Confaz todo e qualquer tipo de isenção de ICMS, sem levar em consideração os fundamentos econômicos e sociais dessa desoneração, sua abrangência, partes beneficiadas e prejudicadas e as justificativas para aplicação de um tratamento tributário favorecido.

Daí, torna-se irrelevante, para análise de constitucionalidade de um benefício fiscal de ICMS, a questão de saber até que ponto ele fomenta a guerra fiscal, assim entendida a competição entre os Estados para atrair investimentos ou proteger sua economia por meio de incentivos fiscais desse imposto.

Em favor da posição adotada pelo STF no julgamento das ADIs 429/CE e 7276/MT, pode-se alegar que o termo de "guerra fiscal" não está enunciado na Constituição Federal ou da Lei Complementar 24/75. Logo, não caberia ao STF fazer distinções que nem o Constituinte nem o Legislador complementar fizeram ao mitigar a competência dos Estados e do Distrito Federal para conceder benefícios fiscais.

De outro lado, não se pode ignorar que o combate à guerra fiscal é o mote subjacente às restrições impostas pela Constituição ao Poder dos Estados de isentar ou de conceder benefícios fiscais de ICMS.

A esse respeito, convém recapitular que o ICMS é um imposto plurifásico e não-cumulativo. Por um lado, ele que grava as sucessivas etapas dos ciclos de comercialização de mercadorias e de prestação dos serviços sujeitos a competência tributária estadual e, por outro, contempla um mecanismo de compensação de créditos e débitos. Os primeiros correspondem ao ICMS destacado nos documentos representativos de operações de aquisição de mercadorias e serviços por um determinado contribuinte e o segundo equivale ao imposto incidente nas operações e prestações praticadas pelo mesmo contribuinte.

Em que pese o ICMS ser um imposto de competência estadual, os ciclos comerciais e de prestação de serviços sujeitos à tributação muitas vezes ultrapassam as fronteiras dos Estados, conferindo uma conotação nacional ao imposto. Daí porque as diretrizes relativas à incidência e à apuração do ICMS foram descritas com grande nível de detalhamento pela Constituição Federal, que também atribui ao legislador complementar a função de conceber um arcabouço nacional para o imposto, padronizando e harmonizando diversos aspectos relativos à sua incidência.

Em decorrência do princípio da não cumulatividade, somado ao caráter nacional do ICMS, o Estado competente para exigir imposto de um determinado contribuinte é obrigado a aceitar créditos referentes ao imposto devido a outros Estados, em etapas anteriores de um determinado ciclo comercial ou de prestação de serviços. O artigo 155, parágrafo 2º, inciso I, da Constituição Federal determina que o ICMS devido em determinada operação "será compensado com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal" (grifamos).

Esse dever de aceitação de créditos de ICMS apurados em outros Estados ou no Distrito Federal tem como pressuposto a sujeição de todas essas unidades da federação a parâmetros nacionais harmônicos de incidência e de apuração do tributo.

Da mesma maneira, regimes excepcionais de tributação devem ser submetidos à ciência e à aprovação de todos os Estados e do Distrito Federal.

Em uma operação interestadual, o Estado de destino de uma determinada mercadoria deve ter conhecimento do regime de tributação ao qual ela foi submetida no Estado de origem, pois o imposto que integra o valor da aquisição realizada pelo contribuinte se transforma em um crédito que, ao ser compensado, diminui o valor vertido ao erário do Estado destinatário.

Assim, quando há aproveitamento de um crédito de ICMS que não correspondeu a um efetivo recolhimento na etapa anterior, pois parte do imposto então devido foi abatida por um crédito presumido, o Estado de destino acaba por suportar os efeitos econômicos do benefício concedido pelo Estado de origem.

Da mesma forma, a concessão de uma isenção ou de benefício fiscal que reduza a carga tributária de uma determinada mercadoria ou serviço pode repercutir em seu preço e favorecer o contribuinte do Estado que o concedeu, em detrimento de seus concorrentes estabelecidos em outros Estados que não concedem o mesmo incentivo.

Daí por que os Estados da Federação devem consentir com a concessão de benefícios fiscais de ICMS por seus pares. Caso contrário, o Estado estará interferindo no princípio da livre concorrência e/ou restará quebrado o pacto subjacente ao intrincado sistema de compensação de créditos e débitos de ICMS em operações interestaduais.

Apesar de não existir um conceito legal de guerra fiscal, a partir dessas considerações é possível inferir que se trata de uma distorção inerente ao comércio interestadual, fazendo com que (i) contribuintes de ICMS aloquem seus estabelecimentos ou desviem suas operações para um determinado estado para gozar de uma desoneração fiscal (ii) haja prejuízo ao erário de um outro Estado ou a contribuinte ali estabelecido.

Os Acórdãos das ADIs 429/CE e 4276/MT têm abordagens diferentes quanto ao papel da guerra fiscal como elemento relevante para se atrair a exigência de convênio para legitimar um benefício de ICMS.

Na ADI 4276/MT, o STF não descarta totalmente esse papel, mas incorre em um exagero ao qualificar como hipótese típica da guerra fiscal a isenção de ICMS nas compras de veículos por oficiais de justiça do Estado.

Pondere-se, a esse respeito, que é muito difícil imaginar algum contribuinte da cadeia comercial de veículos (montadora, importadora ou concessionária) decidir abrir um estabelecimento no Estado do Mato Grosso atraído pela oportunidade de vender veículos sem ICMS para os oficiais de justiça locais. Da mesma maneira, não se vislumbra que nenhum outro Estado, Industria ou comerciante venha a sofrer qualquer prejuízo em razão dessa medida, cuja abrangência é eminentemente local.

Em relação a esse ponto, concordamos com a divergência aberta pelo Ministro Marco Aurélio, que entende não haver guerra fiscal na referida isenção.

Já na ADI 429, o STF até reconhece que a isenção de ICMS sobre determinadas mercadorias destinadas a portadores de deficiência não apresenta quaisquer feições de guerra fiscal, mas mesmo assim o declara inconstitucional, sob o argumento de que os propósitos do benefício são irrelevantes para dispensa de Convênio.

Ao agir dessa forma, o STF incorre em equivoco ao aplicar o texto da norma dissociado de sua razão de existir.

Como dito anteriormente, o artigo 155, §2º, XII, "g", da Constituição Federal e o artigo 1º da Lei Complementar 24/45, não contem dispositivo expresso que restringe as exigências ali contidas a benefícios do espectro da guerra fiscal, mas, sendo esse o espírito da norma, como indubitavelmente o é, o seu alcance deve ser limitado, justamente para que seus comandos não venham atingir situações que estão claramente fora de seu objetivo. É um típico caso em que a interpretação literal na norma não se revela adequada, pois ela apresenta o que Karl Larenz chama de lacuna oculta, ou seja, uma restrição que não está presente em seu enunciado, mas deve suprida pela técnica de interpretação denominada "redução teleológica", assim conceituada pelo mesmo Larenz (04):

"Existe uma 'lacuna oculta' quando, segundo a teleologia imanente da lei, a regra legal carece de uma restrição que a lei não formula. A 'integração' da lacuna faz-se então pelo aditamento da restrição postulada, de harmonia com o sentido da lei. Como, por este processo, a regra demasiado ampla que a lei contém é reduzida ao âmbito da aplicação que lhe cabe segundo o fim ou o contexto significativo da lei, falamos a esse propósito de uma redução teleológica.
(...)
Se a justificação da analogia reside no imperativo da justiça de tratar igualmente o que é igual, a da redução teleológica consiste no de tratar desigualmente o que é desigual, isto é, de fazer distinções que sejam necessárias numa perspectiva de valor. A distinção pode resultar do sentido e do fim da própria norma a limitar, ou de uma outra norma, ou ainda de um princípio imanente à ordem jurídica, ao qual se deva atribuir primazia, a luz da valoração global."

Em nosso entender, não se pode ignorar que toda política de Convênios de ICMS, engendrada na Constituição Federal e na Lei Complementar 24/75, nada mais é do que um mecanismo de prevenção da guerra fiscal. Assim, não excluir incentivos fiscais que nada tenham a ver com a guerra fiscal das exigências decorrentes dessa política é incompatível com espírito das normas que a orientam.

Nesse contexto, a modulação dos efeitos da Declaração de Inconstitucionalidade de isenção do ICMS cearense sobre mercadorias destinadas a deficientes físicos pode ser visto como um paliativo para atenuar os efeitos de uma decisão equivocada em seu mérito, e que pode acarretar um custo social bastante elevado caso o Estado não consiga convalidar esse incentivo a tempo no CONFAZ.

Precedente Divergente do STF - ADI 3421/PR

Não obstante a força da jurisprudência que se forma a partir do julgamento da ADI 429/CE, não se pode dizer que a posição adotada nesses precedentes esteja consolidada, pois ela discrepa de outro precedente da STF, igualmente proferida em sede de ADI, de n. 3421/PR, julgada em 5.5.2010, sob a relatoria do Min. Marco Aurélio.

A semelhança entre as matérias julgadas e divergência de entendimento do STF ao julgar as ADIs 429/CE e 3421/PR fica bastante clara pela leitura da ementa desta segunda decisão, a seguir reproduzida.

"ICMS - SERVIÇOS PÚBLICOS ESTADUAL PRÓPRIOS, DELEGADOS, TERCEIRIZADOS OU PRIVATIDOS DE ÁGUA, LUZ, TELEFONE E GÁS - IGREJAS E TEMPLOS DE QUALQUER CRENÇA - CONTAS - AFASTAMENTO - "GUERRA FISCAL" - AUSÊNCIA DE CONFIGURAÇÃO.
Longe de exigir consenso dos Estados a outorga de benefício a igreja e templos de qualquer crença para excluir o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços nas contas de serviços públicos de água, luz, telefone e gás."

Como se vê, tanto a ADI 3421/PR com a 429/CE (05) versam sobre incentivos fiscais fora do espectro da guerra fiscal: isenção de ICMS para fornecimento de água, luz, telefone e gás para igrejas e templos no primeiro caso e isenção de ICMS sobre mercadorias adquiridas por pessoas com deficiência, no segundo. Apesar disso, o STF decidiu, em ambos os casos por unanimidade, que a primeira isenção estaria dispensada de Convênio e a segunda deveria ser submetida ao crivo do CONFAZ, ou seja, posições diferentes para situações praticamente idênticas.

O precedente da ADI 3421/PR não passou despercebido dos ministros do STF no julgamento do ADI 429/CE. Pelo contrário, o Min. Luiz Fux, procura em seu voto afastar a aplicação daquele leading case, ao argumento de que naquele caso a controvérsia posta em juízo envolvia os conceitos de contribuinte de direito e de fato e que o ICMS não seria cobrado dos templos, mas dos fornecedores de energia elétrica, água e telecomunicações.

Com a devida vênia, a distinção feita pelo ministro Luiz Fux para afastar o precedente da ADI 3421 não é pertinente, pois as pessoas portadoras de deficiências são contribuintes de fato do ICMS sobre os bens que adquirem tanto quanto os templos.

Feito esse breve esclarecimento, resta bastante evidente que estamos diante de posições diametralmente opostas de uma mesma corte sobre matéria idêntica, e sem a expressa declaração de que os ministros mudaram de opinião de um caso para o outro.

Essa postura casuística que o STF adotou quanto ao tema só aumento o nível de insegurança jurídica que permeia o contexto da guerra fiscal. Embora o termo "guerra fiscal" realmente não esteja definido em nenhuma norma jurídica, isso não significa que o STF não pode caracterizá-lo perante os dispositivos constitucionais.

Diante disso e, apesar de o posicionamento adotado na ADI 429 ser mais recente, esperamos que prevaleça a posição oposta esposada na ADI 3421, que, em nosso entender, está de acordo com os espirito das normas que limitam o poder dos Estados de conceder benefícios fiscais, limitação esta que só se justifica no contexto da guerra fiscal.

Notas

(01) "Art. 155 Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
(...)
II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestação de serviços de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestação se iniciem no exterior.
(...)
§2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
(...)
XII - cabe à lei complementar:
(...)
g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados."
A Lei Complementar (LC) de que exerce essas funções atribuídas pela Constituição Federal é a LC 24/75, cujo artigo primeiro determina que "As isenções do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias serão concedias ou revogadas nos termos de convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal, segundo esta Lei."

(02) Celebrado em caráter provisório, com fundamento no artigo 34, § 8º da Constituição Federal, in verbis:
"§8º Se, no prazo de sessenta dias contados da promulgação da Constituição, não for editada a lei complementar necessária à instituição do imposto de que trata o art. 155, I "b", os Estados e o Distrito Federal, mediante convênio celebrado nos termos da Lei Complementar 24, de 7 de janeiro de 1975, fixarão normas para regular provisoriamente a matéria".

(03) Cabe aqui fazer uma ressalva de que a exigência de unanimidade dos Estados membros para aprovação de Convênios de ICMS, prevista no artigo 2º, §2º, da Lei Complementar 24/1975, foi questionado por meio da Ação Direta de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF 198, pendente de julgamento do STF.

(04) LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 2ª ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, p. 427 e seguintes apud MARIZ DE OLIVEIRA, Ricardo. Limite à Compensação de Prejuízos Fiscais na Extinção de Pessoa Jurídica - um Caso para Solução através de Redução Teleológica (ou notando a existência de Silêncio Eloquente in Direito Tributário Atual, n. 31, pág. 159.

(05) A todo rigor, não haveria uma divergência frontal entre os julgamentos da ADI 3421/MT e 4276PR, já que, nesta última, o STF entendeu, equivocadamente em nosso entender, que a isenção de ICMS nas compras de veículos a oficiais de justiça possuía feições de guerra fiscal.

 
Elaborado por: Luiz Carlos Junqueira Franco Filho. Advogado em São Paulo. Graduado em direito pela USP e Pós graduado em direito tributário pela PUC-SP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário - IBDT. Integrante do escritório de advocacia Mariz de Oliveira e Siqueira Campos.
E-mail: lcj@marizsiqueira.com.br
Pedro Dias Cavalcante Junior